Por Zanah Rios
No quarto
Ele acordou com o gosto de guarda-chuva velho na boca, estalou a língua entre os dentes amarelados pelo fumo, seu hálito pesado carregava um misto de cerveja, alho e cachaça, passou a mão na fronte como quem quisesse massagear seu cérebro oco , não lembrava quem era...
-Onde estava?!!!!!-
Sentia-se como a personagem da metamorfose de Kafka um ser obtuso sem metas ou expectativas.
Olhou ao redor para buscar alguma lembrança e viu que estava na cama de Cláudia cujo nome verdadeiro era Laércio.
-Lembrou-se onde estava e viu o cenário de suas visitas habituais-
Era um quartinho com paredes húmidas, mal iluminado... Na janela uma cortina de estampas floridas empoeiradas e ensebadas.
- Cortava os primeiros raios da manhã-
Encostado na parede do lado esquerdo próximo da porta, uma penteadeira com um punhado de frascos de perfumes baratos, uma bombinha de aerossol ,dessas que os asmáticos usam quando lhes falta o ar, uma caixinha de música prateada escrito em detalhes dourados:
-Eu Te Amo-
Entre escovas e pentes, um porta jóias recheado de badulaques e imitações plásticas de pérolas , rubis, ametistas, e o preferido de Laércio...
-Um solitário de ouro quatorze quilates que trazia em cima uma minúscula pedra de brilhante, um tesouro dado por ele que Laércio guardava como sinal de uma aliança entre os dois-
Na parede em frente à cama, um espelho, comprado a prestação a algum vendedor que o ofereceu na porta, tinha uma moldura de madeira leve, de cor marrom.
-O espelho refletia um chão de pisos de cerâmica gasta -
Roupas jogadas desleixadamente, uma calça jeans vagabunda, uma camisa estilo anos oitenta de mangas curtas com estampas coloridas,
-Faltava um botão-
Sapato mocassins , meias de sedas com um fio repuxado, um vestido tomara que caia com detalhes em paetês. Também pelo reflexo podia-se ver a porta do banheiro entre aberta mostrando um lavatório branco com uma mancha cor de ferrugem, fruto de uma goteira da torneira que ele havia prometido consertar...
-Nunca cumpriu -
Cuidadosamente retirou a perna de Cláudia ( Laércio) de cima de suas coxas e levantou-se.
-De pé, ante o espelho, viu-se como era...-
Seu rosto macilento com um farto bigode agrisalhado que escondia o desenho de sua boca, no seu nariz meio largo apareciam alguns pelos, seus olhos grandes, castanhos, arrematava sua face quadrada com a barba por fazer. Olhando um pouco mais, viu seu corpo moreno de cento e trinta e oito quilos, levantou a farta barriga estufou o peito tentando fazê-la desaparecer...Maneou a cabeça num profundo e desgostoso assentimento de impotência diante da realidade que enxergava.
- Isto por certo não adiantava -
Sentiu uma dor insuportável percorrendo seu abdomem e rapidamente foi ao banheiro.
-Sofria de cólicas intestinais -
Sentado no vaso sanitário pensou na sua vida barata e sorriu num misto de desapontamento e cinismo enquanto o fétido odor de sua própria merda inundava suas narinas, fazendo-o estremecer repugnado.
-Sentia-se enojado de tudo, de tudo! -
Após tomar banho, vestiu-se e olhou o celular, se assustou com a hora, eram sete e meia da manhã, não podia ficar mais. Olha Cláudia mais uma vez e como toda vez quer esquece-la.
Diz baixinho pra si mesmo...
-Eu sou Homem!!!... Respira fundo, enxuga o suor frio que brota na testa-
Neste ínterim toca o celular, era um torpedo com a seguinte mensagem:
7:35
de Margarida
Ligar para:
Margarida
Traga pão, leite e costelas de boi. Bjs
Abriu a carteira.
-O que tinha, não dava-
Dirigiu-se até a cômoda, na primeira gaveta encontrou o bauzinho confeccionado em madeira e feltro que Cláudia havia comprado numa feira de artesanato.
-Sabia que ali guardava o dinheiro feito nas esquinas onde a viu pela primeira vez-
Repentinamente lembrou-se de seu primeiro encontro as escondidas, e o enorme prazer que sentiu ao tocar naquele corpo.
Nãooooo...não podia sentir isto! Era somente uma traquinagem! Não podia estar apaixonado!
-Ele era Homemmmmm!!!!!!!
Aquele torpedo lhe dizia que além disso, também era casado e pai de família.Tirou cinquenta reais do maço de notas e saiu apressadamente sem olhar pra trás.
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